Politicando: Quando o Microfone Desliga, Mas a Peça Continua
Em Piranguinho, como no Brasil, a política parece uma peça de teatro interminável. O microfone pode até ser desligado, mas a orquestra segue tocando: nos corredores, no cafezinho, no estacionamento e até nos grupos de WhatsApp.
As sessões da Câmara são o ato principal, com discursos tão ensaiados e cheios de autoelogios que lembram propaganda de rádio dos anos 80: exagerados, melosos e totalmente fora da realidade. O público assiste calado, como quem revê uma novela repetida — já conhece a trama, mas continua no sofá, talvez por falta de opção.
Enquanto isso, os temas que realmente importam ficam relegados ao fundo do palco: saúde que demora a responder, cemitério abandonado e ainda taxado, taxas que entram em cena na hora certa como atores disciplinados. Já o preconceito, esse surge sem script, escorrendo em gestos e falas. Quem não pertence ao “círculo certo” sente na pele o peso do figurino.
E se a democracia tem três poderes oficiais — Executivo, Legislativo e Judiciário —, na prática o espetáculo vira uma coreografia de empurra-empurra. O Executivo manda, o Legislativo aplaude, e o Judiciário observa, ora cego, ora míope. Fora do script, existe ainda o “quarto poder”: a árvore genealógica. Primos, cunhados e amigos ocupam cargos como se o sangue fosse currículo e a amizade, qualificação.
O povo? Paga o ingresso com impostos e aguarda na plateia. Entre uma promessa e outra, recebe migalhas: um buraco tapado, uma praça pintada, uma placa anunciando obra. São os truques para manter a audiência sentada — e, de preferência, calada.
Ainda assim, há pequenos méritos: iluminação em bairros, ruas asfaltadas, projetos sociais que resistem contra todas as probabilidades. Mas como em qualquer encenação, o cenário bonito não garante um bom roteiro. O pão é escasso, o circo é certo, e o povo segue figurante da própria história.
Nas redes sociais, o teatro continua em versão paralela: memes, áudios e textões substituem discursos oficiais. Sempre há quem diga que “sabe de tudo”, quem “tem provas”, quem “vai denunciar”. As vozes ecoam, mas raramente são ouvidas nos lugares certos.
No fim, sobra a ironia: em terras onde o microfone nunca desliga de verdade, o silêncio que pesa é justamente o daquilo que não se fala — mas todo mundo vê. A plateia, mesmo sabendo que a peça é ruim, continua assistindo. Por hábito, ou por falta de alternativa.
E é nesse clima que nos aproximamos de mais um grande ato: as eleições. Em breve, não serão apenas os vereadores e prefeitos em cena, mas também deputados, senadores, governadores e o presidente. O roteiro nacional começa a ser escrito agora, voto a voto.
Por isso, cabe ao povo deixar de ser figurante e assumir o papel de protagonista. É hora de observar cada gesto, cada promessa e cada silêncio. Porque a peça só continua do mesmo jeito se a plateia aplaudir no final.
E, no meio desse espetáculo, há um detalhe que não pode passar despercebido: muitas vezes, quem vem de fora recebe mais valor do que os próprios munícipes. Como se a palavra de alguém distante tivesse mais peso do que a voz de quem vive, paga e sofre a realidade da cidade todos os dias. Esse talvez seja o maior retrato da nossa política: a inversão de papéis em que o povo local, que deveria ser protagonista, segue tratado como mero coadjuvante.
- Nica Montanha
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